terça-feira, 31 de março de 2020

A PERSONALIDADE JURÍDICA DO CONDOMÍNIO

 

Ao julgar o Recurso Especial 1.736.593-SP, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que os Condomínios Edilícios não possuem direito a compensação por danos morais, visto que são entes despersonalizados, ou seja, não possuem personalidade jurídica.

Todavia, analisando melhor o tema, verificamos que não há um real concesso sobre a ausência da personalidade jurídica dos Condomínios, inclusive no próprio Superior Tribunal de Justiça, haja vista que a Primeira Seção do STJ, especializada em direito público, entende que em matéria tributária os condomínios possuem personalidade jurídica ou devem ser tratados como pessoa jurídica; já na Segunda Seção, que julga casos de direito privado, prevalece a corrente para a qual eles são entes despersonalizados.

Inclusive, o Conselho da Justiça Federal fixou o Enunciado Jurisprudencial nº. 596 onde “O condomínio edilício pode adquirir imóvel por usucapião”.

Percebe-se que mesmo diante de muitos julgados contrários a atribuição da personalidade jurídica ao condomínio edilício, persiste o debate em torno desta matéria, tem-se visto um número maior de situações nas quais resta assegurado o tratamento conferido à pessoa jurídica, inclusive na aquisição de propriedade imobiliária por esta figura jurídica.

O Enunciado nº 246 da III Jornada de Direito Civil (que modificou o Enunciado 90 da I Jornada) do Conselho da Justiça Federal, por sua vez, estipula que: "Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício".

O Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, embora não admita a irrestrita e incondicional atribuição de personalidade jurídica ao condomínio edilício, tem admitido a aquisição de imóveis por este último, inclusive por meio de escritura pública de compra e venda, vejamos:

 

REGISTRO DE IMÓVEIS - Escritura pública de venda e compra - Aquisição de bens imóveis para ampliação das vagas de estacionamento – Negócio jurídico relacionado com atividade-fim do Condomínio - Aprovação pela unanimidade dos condôminos presentes em assembleia - Proveito dos condôminos evidenciado - Risco de sanção administrativa - Inconveniente prático da exigência relativa ao consentimento de todos os condôminos - Instrumentalidade registrai -Ausência de personalidade jurídica não é óbice, in concreto ao registro - Pertinência do assento pretendido – Dúvida improcedente - Recurso provido.

(TJ-SP - APL: 0019910-77.2012.8.26.0071 SP, RELATOR: RENATO NALINI, DATA DE JULGAMENTO: 18/04/2013, CONSELHO SUPERIOR DE MAGISTRATURA, DATA DE PUBLICAÇÃO: 25/04/2013) (g. n.)

 

Tanto a Lei 4.591/1964 (ao versar sobre o leilão extrajudicial art. 63, § 3º) quanto o CPC (ao regrar a hasta pública) respaldam a aquisição de propriedade em nome do condomínio edilício, o que se tem verificado na prática.

No entanto, ao julgar o referido Recurso Especial, a ministra Nancy Andrighi ressaltou que o condomínio não é titular das unidades autônomas, tampouco das partes comuns, as quais pertencem exclusivamente aos condôminos, bem como “não há, entre os condôminos, a affectio societatis, ou seja, o sentimento de cooperação e confiança recíprocos que une pessoas interessadas em atingir um objetivo comum. É dizer, a formação do condomínio não decorre da intenção dos condôminos de estabelecer entre si uma relação jurídica, mas do vínculo decorrente do direito exercido sobre a coisa e que é necessário à administração da propriedade comum".

Percebe-se que o Poder Judiciário estende a personalidade jurídica ao condomínio quando é da sua conveniência, sem estabelecer uma regra geral.

Inclusive, vale mencionar que o próprio STJ já manifestou entendimento favorável a personalidade do condomínio, vejamos:

 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. APURAÇÃO UNILATERAL DE FRAUDE NO MEDIDOR. ILEGALIDADE. CONDOMÍNIO. EQUIPARAÇÃO À PESSOA JURÍDICA. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE PROVA DE OFENSA À HONRA OBJETIVA. PRECEDENTES DO STJ. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

I. É ilegítima a suspensão do fornecimento de energia elétrica, quando o débito decorrer de suposta fraude no medidor de consumo de energia, apurada unilateralmente pela concessionária. Precedentes do STJ.

II. Embora o condomínio não possua personalidade jurídica, deve-lhe ser assegurado o tratamento conferido à pessoa jurídica, no que diz respeito à possibilidade de condenação em danos morais, sendo-lhe aplicável a Súmula 227 desta Corte, in verbis: "A pessoa jurídica pode sofrer dano moral".

III. O acórdão recorrido encontra-se em consonância com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral - no caso, o Condomínio -, desde que demonstrada ofensa à sua honra objetiva.

IV. O Tribunal a quo concluiu, em face das premissas fáticas firmadas pelo acórdão de origem, que não houve ofensa à honra objetiva do agravante, ou seja, à sua imagem, conceito e boa fama, de modo que a revisão de tal entendimento demandaria, inequivocamente, incursão na seara fático-probatória dos autos, inviável, na via eleita, a teor do enunciado sumular 7/STJ.

V. Consoante a jurisprudência do STJ, "o mero corte no fornecimento de energia elétrica não é, a princípio, motivo para condenação da empresa concessionária em danos morais, exigindo-se, para tanto, demonstração do comprometimento da reputação da empresa. No caso, a partir das premissas firmadas na origem, não há fato ou prova que demonstre ter a empresa autora sofrido qualquer dano em sua honra objetiva, vale dizer, na sua imagem, conceito e boa fama. O acórdão recorrido firmou a indenização por danos morais com base, exclusivamente, no fato de que houve interrupção no fornecimento do serviço prestado devido à suposta fraude no medidor, que não veio a se confirmar em juízo. Com base nesse arcabouço probatório, não é possível condenar a concessionária em danos morais, sob pena de presumi-lo a cada corte injustificado de energia elétrica, com ilegítima inversão do ônus probatório" (STJ, REsp 1.298.689/RS, Rel.

Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJe de 15/04/2013).

VI. Agravo Regimental desprovido.

(AgRg no AREsp 189.780/SP, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/09/2014, DJe 16/09/2014)

 

Nota-se que no julgado de 2014, a Ministra Assusete Magalhães entendeu que o condomínio tem direito a dano moral, visto que “embora o condomínio não possua personalidade jurídica, deve-lhe ser assegurado o tratamento conferido à pessoa jurídica, no que diz respeito à possibilidade de condenação em danos morais, sendo-lhe aplicável a Súmula 227 desta Corte, in verbis: ‘A pessoa jurídica pode sofrer dano moral’”.

A doutrina confronta o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça. de acordo com Flávio Tartuce[1], o rol do artigo 44 do Código Civil seria meramente exemplificativo, o que permitiria a inclusão do condomínio nessa lista.

O artigo 44 do Código Civil expõe quais seriam as pessoas jurídicas do direito privado, vejamos:

 

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:

I - as associações;

II - as sociedades;

III - as fundações.

IV - as organizações religiosas;

V - os partidos políticos.

VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada.

 

Inclusive, este é o entendimento firmado no Enunciado 144 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, vejamos: “A relação das pessoas jurídicas de direito privado constante do art. 44, incs. I a V, do Código Civil não é exaustiva”.

Flávio Tartuce menciona três vantagens nesse entendimento: as reuniões seriam profissionalizadas pela eleição de condôminos dirigentes; diversos serviços poderiam ser prestados, tais como atividades de recreação e transporte; seria possível a celebração de contratos, inclusive, contratos de aquisição de imóveis.

Ora, qualquer serviço prestado ao condomínio é contratado em nome do condomínio, não em nome dos condôminos. Serviços de energia elétrica, água e gás são cobrados no nome do condomínio, por mais que o valor seja rateado aos condôminos, caso haja alguma inadimplência, o nome que será inscrito nos cadastros restritivos de crédito é do condomínio.

A legislação brasileira prevê alguns direitos aos condomínios de maneira expressa. É o que ocorre, por exemplo, com a capacidade processual.

Entretanto, ao contrário do que afirma a decisão, é possível notar que alguns condomínios têm sua identidade autônoma à dos titulares das unidades, independentemente de existência de personalidade jurídica e que determinados acontecimentos não atingem a individualidade dos condôminos, mas maculam os próprios signos de identificação desse complexo de bens e relações jurídicas.

Na tentativa de sanar os conflitos jurisprudenciais, Sílvio de Salvo Venosa[2] classifica o condomínio edilício como ente de personalidade anômala, sui generis.

Contudo, acompanhando a evolução dos Enunciados, bem como observando o histórico jurisprudencial, é inegável a necessidade de se reconhecer a personalidade jurídica dos condomínios edilícios, visto que, ao contrário do entendimento jurisprudencial, não há na legislação qualquer dispositivo que afaste a personalidade jurídica do condomínio edilício. Além disso, em muitos casos ele é tratado como pessoa jurídica.

Na verdade, chega a ser vergonhosa a posição do Superior Tribunal de Justiça pois não há um entendimento uniforme quanto ao tratamento do mesmo ente, conforme mencionado anteriormente.

 

 

 

[1] TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito das coisas. 10ª ed. Vol. 4. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 258-262.

[2] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009, v. 5, p. 346.

 

quinta-feira, 26 de março de 2020

TRANSAÇÃO A QUALQUER TEMPO

Com o Código de Processo Civil de 2015, a solução consensual dos conflitos passou a ser tratada como norma fundamental do processo civil, devendo ser estimulada a qualquer tempo do processo, conforme artigo 3º, §§ 2º e 3º.

Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

O fato do processo já ter recebido sentença de mérito não impede a homologação de acordo firmado em momento posterior.

Deve o magistrado homologar a transição, julgando extinto o processo com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, inciso III, alínea "b" do CPC/15.

Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz:

III - homologar:

b) a transação;

De acordo com o professor Alexandre Câmara, "os métodos consensuais, de que são exemplos a conciliação e a mediação, deverão ser estimulados por todos os profissionais do Direito que atuam no processo, inclusive durante o seu curso".( O novo Processo Civil brasileiro, Ed. Atlas: São Paulo, 2015).

Logo, não importa a fase do processo, conciliar é bom para todos.

quarta-feira, 25 de março de 2020

SUSPENSÃO DO PROCESSO DURANTE A PANDEMIA

De acordo com o artigo 313, inciso VI do Código de Processo Civil, durante a pandemia não só os prazos estão suspensos, mas o processo em si, vejamos:

Art. 313. Suspende-se o processo:

VI - por motivo de força maior;


O artigo 314 do CPC ainda veda a pratica de qualquer ato processual, salvo atos urgentes, vejamos:

Art. 314. Durante a suspensão é vedado praticar qualquer ato processual, podendo o juiz, todavia, determinar a realização de atos urgentes a fim de evitar dano irreparável, salvo no caso de arguição de impedimento e de suspeição.

 

Logo, torna-se nulo os atos praticados durante a suspensão do processo.

Frisa-se que se aplica a nulidade nos casos de atos que prejudiquem a parte, como, por exemplo, a apresentação de laudo pericial ou mesmo uma sentença.