Ao julgar o Recurso Especial
1.736.593-SP, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que os Condomínios
Edilícios não possuem direito a compensação por danos morais, visto que são
entes despersonalizados, ou seja, não possuem personalidade jurídica.
Todavia, analisando melhor o
tema, verificamos que não há um real concesso sobre a ausência da personalidade
jurídica dos Condomínios, inclusive no próprio Superior Tribunal de Justiça,
haja vista que a Primeira Seção do STJ, especializada em direito público,
entende que em matéria tributária os condomínios possuem personalidade jurídica
ou devem ser tratados como pessoa jurídica; já na Segunda Seção, que julga
casos de direito privado, prevalece a corrente para a qual eles são entes
despersonalizados.
Inclusive, o Conselho da Justiça
Federal fixou o Enunciado Jurisprudencial nº. 596 onde “O condomínio edilício
pode adquirir imóvel por usucapião”.
Percebe-se que mesmo diante de
muitos julgados contrários a atribuição da personalidade jurídica ao condomínio
edilício, persiste o debate em torno desta matéria, tem-se visto um número
maior de situações nas quais resta assegurado o tratamento conferido à pessoa
jurídica, inclusive na aquisição de propriedade imobiliária por esta figura
jurídica.
O Enunciado nº 246 da III Jornada
de Direito Civil (que modificou o Enunciado 90 da I Jornada) do Conselho da
Justiça Federal, por sua vez, estipula que: "Deve ser reconhecida
personalidade jurídica ao condomínio edilício".
O Conselho Superior da
Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, embora não admita a
irrestrita e incondicional atribuição de personalidade jurídica ao condomínio
edilício, tem admitido a aquisição de imóveis por este último, inclusive por
meio de escritura pública de compra e venda, vejamos:
REGISTRO DE IMÓVEIS - Escritura pública de venda e compra - Aquisição de bens imóveis para ampliação das vagas de estacionamento – Negócio jurídico relacionado com atividade-fim do Condomínio - Aprovação pela unanimidade dos condôminos presentes em assembleia - Proveito dos condôminos evidenciado - Risco de sanção administrativa - Inconveniente prático da exigência relativa ao consentimento de todos os condôminos - Instrumentalidade registrai -Ausência de personalidade jurídica não é óbice, in concreto ao registro - Pertinência do assento pretendido – Dúvida improcedente - Recurso provido.
(TJ-SP - APL: 0019910-77.2012.8.26.0071 SP, RELATOR: RENATO NALINI, DATA DE JULGAMENTO: 18/04/2013, CONSELHO SUPERIOR DE MAGISTRATURA, DATA DE PUBLICAÇÃO: 25/04/2013) (g. n.)
Tanto a Lei 4.591/1964 (ao versar
sobre o leilão extrajudicial art. 63, § 3º) quanto o CPC (ao regrar a hasta
pública) respaldam a aquisição de propriedade em nome do condomínio edilício, o
que se tem verificado na prática.
No entanto, ao julgar o referido
Recurso Especial, a ministra Nancy Andrighi ressaltou que o condomínio não é
titular das unidades autônomas, tampouco das partes comuns, as quais pertencem
exclusivamente aos condôminos, bem como “não há, entre os condôminos, a affectio societatis, ou seja, o sentimento de
cooperação e confiança recíprocos que une pessoas interessadas em atingir um
objetivo comum. É dizer, a formação do condomínio não decorre da intenção dos
condôminos de estabelecer entre si uma relação jurídica, mas do vínculo
decorrente do direito exercido sobre a coisa e que é necessário à administração
da propriedade comum".
Percebe-se que o Poder Judiciário
estende a personalidade jurídica ao condomínio quando é da sua conveniência,
sem estabelecer uma regra geral.
Inclusive, vale mencionar que o
próprio STJ já manifestou entendimento favorável a personalidade do condomínio,
vejamos:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. APURAÇÃO UNILATERAL DE FRAUDE NO MEDIDOR. ILEGALIDADE. CONDOMÍNIO. EQUIPARAÇÃO À PESSOA JURÍDICA. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE PROVA DE OFENSA À HONRA OBJETIVA. PRECEDENTES DO STJ. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I. É ilegítima a suspensão do fornecimento de energia elétrica, quando o débito decorrer de suposta fraude no medidor de consumo de energia, apurada unilateralmente pela concessionária. Precedentes do STJ.
II. Embora o condomínio não possua personalidade jurídica, deve-lhe ser assegurado o tratamento conferido à pessoa jurídica, no que diz respeito à possibilidade de condenação em danos morais, sendo-lhe aplicável a Súmula 227 desta Corte, in verbis: "A pessoa jurídica pode sofrer dano moral".
III. O acórdão recorrido encontra-se em consonância com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral - no caso, o Condomínio -, desde que demonstrada ofensa à sua honra objetiva.
IV. O Tribunal a quo concluiu, em face das premissas fáticas firmadas pelo acórdão de origem, que não houve ofensa à honra objetiva do agravante, ou seja, à sua imagem, conceito e boa fama, de modo que a revisão de tal entendimento demandaria, inequivocamente, incursão na seara fático-probatória dos autos, inviável, na via eleita, a teor do enunciado sumular 7/STJ.
V. Consoante a jurisprudência do STJ, "o mero corte no fornecimento de energia elétrica não é, a princípio, motivo para condenação da empresa concessionária em danos morais, exigindo-se, para tanto, demonstração do comprometimento da reputação da empresa. No caso, a partir das premissas firmadas na origem, não há fato ou prova que demonstre ter a empresa autora sofrido qualquer dano em sua honra objetiva, vale dizer, na sua imagem, conceito e boa fama. O acórdão recorrido firmou a indenização por danos morais com base, exclusivamente, no fato de que houve interrupção no fornecimento do serviço prestado devido à suposta fraude no medidor, que não veio a se confirmar em juízo. Com base nesse arcabouço probatório, não é possível condenar a concessionária em danos morais, sob pena de presumi-lo a cada corte injustificado de energia elétrica, com ilegítima inversão do ônus probatório" (STJ, REsp 1.298.689/RS, Rel.
Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJe de 15/04/2013).
VI. Agravo Regimental desprovido.
(AgRg no AREsp 189.780/SP, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/09/2014, DJe 16/09/2014)
Nota-se que no julgado de 2014, a
Ministra Assusete Magalhães entendeu que o condomínio tem direito a dano moral,
visto que “embora o condomínio não possua personalidade jurídica, deve-lhe ser
assegurado o tratamento conferido à pessoa jurídica, no que diz respeito à
possibilidade de condenação em danos morais, sendo-lhe aplicável a Súmula 227 desta
Corte, in verbis: ‘A pessoa jurídica pode sofrer dano moral’”.
A doutrina confronta o atual
entendimento do Superior Tribunal de Justiça. de acordo com Flávio Tartuce[1], o rol do artigo 44 do Código Civil seria meramente
exemplificativo, o que permitiria a inclusão do condomínio nessa lista.
O artigo 44 do Código Civil expõe
quais seriam as pessoas jurídicas do direito privado, vejamos:
Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
I - as associações;
II - as sociedades;
III - as fundações.
IV - as organizações religiosas;
V - os partidos políticos.
VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada.
Inclusive, este é o entendimento
firmado no Enunciado 144 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça
Federal, vejamos: “A relação das pessoas jurídicas de direito privado constante
do art. 44, incs. I a V, do Código Civil não é exaustiva”.
Flávio Tartuce menciona três
vantagens nesse entendimento: as reuniões seriam profissionalizadas pela
eleição de condôminos dirigentes; diversos serviços poderiam ser prestados,
tais como atividades de recreação e transporte; seria possível a celebração de
contratos, inclusive, contratos de aquisição de imóveis.
Ora, qualquer serviço prestado ao
condomínio é contratado em nome do condomínio, não em nome dos condôminos.
Serviços de energia elétrica, água e gás são cobrados no nome do condomínio,
por mais que o valor seja rateado aos condôminos, caso haja alguma
inadimplência, o nome que será inscrito nos cadastros restritivos de crédito é
do condomínio.
A legislação brasileira prevê
alguns direitos aos condomínios de maneira expressa. É o que ocorre, por
exemplo, com a capacidade processual.
Entretanto, ao contrário do que
afirma a decisão, é possível notar que alguns condomínios têm sua identidade
autônoma à dos titulares das unidades, independentemente de existência de
personalidade jurídica e que determinados acontecimentos não atingem a
individualidade dos condôminos, mas maculam os próprios signos de identificação
desse complexo de bens e relações jurídicas.
Na tentativa de sanar os
conflitos jurisprudenciais, Sílvio de Salvo Venosa[2] classifica o condomínio edilício como ente de
personalidade anômala, sui generis.
Contudo, acompanhando a evolução
dos Enunciados, bem como observando o histórico jurisprudencial, é inegável a
necessidade de se reconhecer a personalidade jurídica dos condomínios
edilícios, visto que, ao contrário do entendimento jurisprudencial, não há na
legislação qualquer dispositivo que afaste a personalidade jurídica do
condomínio edilício. Além disso, em muitos casos ele é tratado como pessoa
jurídica.
Na verdade, chega a ser
vergonhosa a posição do Superior Tribunal de Justiça pois não há um
entendimento uniforme quanto ao tratamento do mesmo ente, conforme mencionado
anteriormente.
[1] TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito das coisas.
10ª ed. Vol. 4. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 258-262.
[2] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos
reais. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009, v. 5, p. 346.