quarta-feira, 23 de setembro de 2020

OS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS E SUA BASE PRINCIPIOLÓGICA

 

Gustavo Sales

23 de setembro de 2020.


O presente artigo tem por objetivo realizar um breve levantamento teórico da Lei 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, tendo como referência principiológica a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, bem como alguns aspectos procedimentais da própria Lei 9.099/95.

O procedimento dos Juizados Especiais Criminais esta esculpido no Capítulo III, da Lei 9.099/95, e possui sua origem na Constituição Federal de 1988, mais precisamente no artigo 98, inciso I, que determina que é de competência dos estados regulamentar os juizados especiais cíveis e criminais para julgar as causas menor complexidade e os crimes de menor potencial lesivo, in verbis:

 

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

 

Com a regulamentação dos Juizados Especiais Criminais, o legislador entendeu que os crimes de menor potencial ofensivo deveriam seguir o rito procedimental contido na Lei 9.099/95, normativo que é orientado por princípios de origem constitucional.

Ademais, essa previsão que a Constituição Federal traz no seu artigo 98, inciso I, a lei 9.099/95, também firmou no artigo 62, em especial na parte dos Juizados Especiais Criminais, que estabelece que os procedimentos irão se reger pela obediência desses princípios.

 

Art. 62.  O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade. (Redação dada pela Lei nº 13.603, de 2018)

 

Portanto, os Juizados Especiais Criminais devem valorizar um procedimento oral, ou seja, a oralidade no oferecimento da denúncia, a defesa poderá ser oral, somente sendo escrito aquilo que é efetivamente relevante e que necessite que se reduza a termo.

 

Art. 65. [...]

§ 3º Serão objeto de registro escrito exclusivamente os atos havidos por essenciais. (grifo nosso)

 

Esses princípios constitucionais são interligados entre si, a informalidade esta vinculada com a oralidade e vice-versa. Entretanto, quando se esta diante de um rito que prestigia a informalidade é necessário um arcabouço maior de informações na produção da prova e é nesse sentido que os operadores do direito precisam ficar atentos.

O procedimento nos juizados especiais possui como finalidade a celeridade e economia. Então, há que se prezar pela informalidade, mas no sentido procedimental da prática dos atos dentro do processo, no dia a dia de atuação nos fóruns, com o objetivo de tornar a tutela jurisdicional mais efetiva, sem necessariamente, se apegar as formas dogmáticas.

Por isso, os juizados são informais e econômicos, onde não existe um processo dividido por etapas procedimentais que sejam de alto custo. Nos Juizados Especiais Criminais não se fala em perícias complexas é um procedimento barato porque lida com crimes de menor potencial ofensivo. Se o procedimento é informal, oral, econômico, por óbvio será um procedimento célere.

Em 2018, entrou em vigor a lei 13.603, que inseriu no artigo 62 da Lei 90999/95, o princípio da simplicidade como critério orientador do processo perante os Juizados Especiais Criminais. Foi a maneira que o legislador se valeu para reforçar, diante da sociedade, a necessidade desse procedimento ser simples e eficaz, produzindo uma resposta rápida para os jurisdicionados, seja o autor dos fatos ou a vítima. Neste ponto cabe a reflexão no sentido de que a simplicidade já estava inserida em todos os demais princípios, pois se o procedimento é informal, econômico, célere, nos parece que o corolário lógico é que estamos diante de um procedimento simplificado.

Passemos a analisar algumas regras específicas contidas na Lei 9.099/95. A primeira coisa é entender o que é o menor potencial ofensivo, isso porque o artigo 98, inciso I, da constituição reza que é competência dos juizados especiais criminais julgar os crimes de menor potencial ofensivo. A Lei dos Juizados Especiais adotou um critério quantitativo, ou seja, a quantidade de pena estabelecida para cada crime, para, assim, saber se ele é de menor potencial ofensivo.

 

Art. 61.  Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.

 

A maioria da doutrina entende que a pena tem a função retributiva em que a finalidade da pena é o restabelecimento da ordem violada pelo delito, na medida em que a pena deve ser proporcional ao crime cometido e a função preventiva que tem como premissa a de que a prevenção geral é tanto mais eficiente quanto maior é a certeza da punição. Se for levada em consideração a função retributiva da pena, que é “punir”, essa “punição” tem que ser proporcional à lesão que o crime provocou, então, o poder de ofensividade daquela conduta tem que possuir uma pena compatível.

O legislador adotou a ideia de que o crime que possui pena máxima em abstrato menor ou igual a dois anos é de competência dos juizados especiais. Se analisarmos o crime de homicídio simples, artigo 121, do Código Penal, a previsão da pena é de seis a vinte anos, portanto, estamos diante de um crime que não é de competência dos Juizados Especiais Criminais. Porém, se analisarmos as penas dos crimes de calúnia, difamação, injúria, por exemplo, todos possuem pena máxima em abstrato inferior ou igual a dois anos, logo, são de competência dos Juizados Especiais Criminais.

Entretanto, existe uma exceção no artigo 94 da Lei 10.741/03, que dispõe sobre o Estatuto do Idoso, onde é possível que Juizado Especial Criminal julgue crimes com pena máxima em abstrato maior do que dois anos, vejamos:

 

Art. 94. Aos crimes previstos nesta Lei, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4 (quatro) anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, e, subsidiariamente, no que couber, as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal.

 

Em primeira análise pode parecer inusitado o artigo 94, que estabelece que os crimes previstos na Lei 10.741/03, cuja pena não ultrapasse quatro anos serão julgados pelo procedimento dos Juizados Especiais Criminais. Na verdade, existe um contra senso, posto que os Juizados Especiais Criminais julgam crimes de menor potencial ofensivo e quando o estatuto do idoso entrou em vigência em 2003, a ideia do legislador seria repreender com mais rigor o indivíduo que cometesse crimes contra o idoso. Mas, se a ideia era proteger uma casta vulnerável da sociedade, onde esta a lógica de submeter os crimes praticados contra idosos, cuja pena não ultrapasse quatro anos ao Juizados Especiais Criminais?

Esta discussão perdurou por algum tempo na doutrina e na jurisprudência, até que alcançou o STF, onde sob a relatoria da ministra Cármen Lúcia, julgou-se a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3096), estabelecendo que quando a Lei referiu-se no artigo 94, que os crimes previstos no estatuto do idoso, cuja pena não ultrapasse quatro anos serão julgados pelos juizados especiais é apenas no que se refere ao procedimento, pois trata-se de é um procedimento mais célere.

 

Decisão: Preliminarmente, o Tribunal, por unanimidade, não conheceu da ação direta relativamente ao art. 39 da Lei nº 10.741/2003. Prosseguindo no julgamento, após o voto da Senhora Ministra Cármen Lúcia (Relatora), julgando parcialmente procedente a ação para dar interpretação conforme ao art. 94 da referida lei, no sentido de aplicar-se apenas o procedimento previsto na Lei nº 9.099/95 e não outros benefícios ali previstos, e após o voto do Senhor Ministro Eros Grau, julgando-a improcedente, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Carlos Britto. Ausentes, licenciados, os Senhores Ministros Joaquim Barbosa e Menezes Direito. Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes. Plenário, 19.08.2009.

 

Portanto, em razão desse julgado, acabaram as intepretações e os crimes cuja pena não ultrapassa quatro anos, previstos no estatuto do idoso serão julgados pelos Juizados Especiais Criminais, mas, tão somente, no tocante ao procedimento, as medidas despenalizadoras não serão aplicadas para os crimes onde a pena seja maior que dois anos, pois passa à margem do que é previsto, inicialmente, da competência dos Juizados Especiais Criminais.

Da mesma forma, existe a não extensão da Lei Juizados Especiais Criminais para alcançar crimes que, inicialmente, estavam previstos em sua competência para julgamento.

Há, ainda, uma afastabilidade, ou seja, o procedimento dos Juizados Especiais Criminais não sendo aplicado para crimes cuja pena seja menor que dois anos, por exemplo, não serão julgados pelos Juizados Especiais Criminais os crimes previstos na Lei 11.340/06, Lei Maria da Penha, por previsão expressa em seu artigo 41.

 

Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

 

Então, na medida em que existe uma extensão no Estatuto do Idoso, na Lei Maria da Penha há uma afastabilidade desse instituto dos Juizados Especiais Criminais, pois não irão julgar crimes cometidos contra a mulher no ambiente doméstico e familiar.

Outro detalhe interessante é que quando se observa a extensão e afastabilidade é possível perceber que, além da Lei Maria da Penha, existe uma outra situação que afasta a competência dos Juizados Especiais Criminais, que são os casos de conexão prevista no artigo 76 do Código de Processo Penal, que estabelece que quando os crimes são cometidos nas mesmas circunstâncias de tempo, lugar e modo de execução, a prova de um depende da prova do outro. Então, quando falamos de conexão é possível que a competência dos Juizados Especiais Criminais seja afastada. Mas cumpre ressaltar que não se afasta a incidência das medidas despenalizadoras, o que significa dizer que o réu manterá o seu direito de transação penal, composição civil dos danos e da suspensão condicional do processo, sendo aplicável ao caso.

Diante do que foi exposto, conclui-se que os Juizados Especiais Criminais é um organismo onde se busca distribuição da justiça de maneira ágil, simplificada e desburocratizada, ao contrário do que se encontra no procedimento criminal tradicional.